SAÚDE

2,6 milhões de pacientes morrem todos os anos por erros evitáveis na assistência à saúde, diz OMS


Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) mostram que aproximadamente 2,6 milhões de pessoas morrem anualmente em todo o mundo devido a erros evitáveis na assistência à saúde, o que equivale a cinco pacientes a cada minuto. De acordo com a instituição, quatro em cada dez pacientes sofrem algum tipo de prejuízo durante o atendimento na atenção primária e ambulatorial, com os principais erros relacionados a diagnóstico, prescrição e uso de medicamentos. Além do impacto direto na vida dos pacientes, os erros de medicação, por exemplo, resultam em um custo de mais de US$ 40 bilhões por ano.



Para a OMS, erros evitáveis que causam danos à saúde do paciente são inaceitáveis. Diante desse cenário, desde 2019 a entidade instituiu o 17 de setembro como o Dia Mundial da Segurança do Paciente, com o objetivo de chamar a atenção global para essa questão. Neste ano, o tema central da campanha é “Engajar pacientes para a segurança do paciente”, focando a necessidade de, cada vez mais, as instituições de saúde ouvirem seus pacientes, familiares e cuidadores para que eles sejam participantes ativos da atenção.


“Esse slogan da OMS reforça a importância de darmos um nível de representatividade e de escuta para esse paciente muito superior ao que temos tido atualmente na maioria das instituições de saúde. É uma ideia de inclusão do paciente em todo o processo de cuidado, fornecendo um atendimento seguro e de qualidade e garantindo os seus direitos”, disse Victor Grabois, presidente da Sobrasp (Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente) e coordenador-executivo do Proqualis/Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).


Mas, afinal, o que é segurança do paciente? De maneira geral, ela é um atributo da qualidade da assistência. É a capacidade de um serviço de saúde, com a sua equipe de profissionais, evitar lesões, danos, feridas ou outros problemas decorrentes do cuidado. Em outras palavras, é fazer com que esse paciente não adquira nenhuma condição que ele não tinha quando deu entrada no serviço de saúde. “Não posso entrar numa instituição de saúde para tratar uma crise de hipertensão arterial, por exemplo, cair da maca e quebrar um braço”, exemplifica Grabois.


A psicóloga Ana Merzel Kernkraut, coordenadora do Programa de Experiência do Paciente do Hospital Israelita Albert Einstein, vai além e ressalta que a segurança do paciente também é extremamente importante para garantir a confiabilidade de uma instituição de saúde. De acordo com ela, na maioria das vezes, os eventos adversos (aqueles que não são esperados no cuidado do paciente) são causados por falhas humanas ou de processos internos, que podem ser corrigidos e melhorados.


“Dentro da segurança, teremos danos que quase aconteceram, mas que foram percebidos a tempo de serem barrados; os danos que ocorreram, mas são transitórios; e temos os eventos graves, que causam um dano maior. A gente quer zerar esses eventos que são chamados catastróficos, porque eles só acontecem com a participação de um humano”, disse Ana Merzel.


Paciente informado funciona como barreira


Abordar a segurança do paciente envolve discussão de processos, comunicação eficaz, diagnóstico assertivo e profissionais treinados e capacitados. Simultaneamente, requer um paciente bem informado, que compreenda seu tratamento e sua condição, pois assim ele atua como uma “barreira” contra possíveis eventos adversos e participa como corresponsável pelo próprio cuidado.


Por exemplo: se um paciente em tratamento de câncer é informado adequadamente de que vai receber durante dez dias uma determinada medicação, em determinada dose, por via endovenosa e, de repente, o profissional de saúde chega para aplicar a medicação por via intramuscular, o paciente perceberá que houve uma mudança, vai questionar e funcionar como uma barreira, evitando a falha no cuidado: “Eu faço essa medicação todos os dias por via endovenosa. Por que hoje vou receber intramuscular?”. Assim, o profissional de saúde poderá rever o atendimento para confirmar se realmente houve alguma mudança de conduta.


“Mas, para que isso ocorra, é necessário que aconteça uma mudança cultural, tanto do lado da equipe, que tem que permitir que esse paciente participe e questione as condutas que estão sendo tomadas, quanto do lado do paciente, que tem que se sentir à vontade para perguntar e exigir que algumas coisas aconteçam de acordo com o que é preconizado e com o que ele quer”, explicou Ana Merzel.


Outro exemplo é a higienização das mãos pelo profissional de saúde antes de tocar no paciente — uma conduta simples, amplamente conhecida, que previne infecção em hospitais e pode salvar vidas. Já existem protocolos bem estabelecidos a ser seguidos para que a higienização das mãos aconteça de forma correta, mas nem sempre isso acontece nos estabelecimentos de saúde.


“A própria equipe médica tem muita dificuldade de aderir corretamente à higiene das mãos no momento que é preconizada e acha ruim quando é questionada sobre isso. Apesar de a higienização das mãos ser algo estabelecido, muitas vezes não faz parte do comportamento do profissional. Se o paciente alerta, ele é visto como o chato. Por isso, é muito difícil estar na posição de paciente nessa hora”, disse Ana Merzel, que ressaltou a necessidade de existir uma mudança cultural nesse sentido.


Segundo Cláudia Laselva, diretora do Hospital Israelita Albert Einstein, na unidade hospitalar do Morumbi, para que aconteça essa mudança cultural entre profissionais de saúde, paciente e familiares é preciso que haja um trabalho intenso das instituições de saúde na criação de mecanismos para educar os seus profissionais sobre o tema. Além disso, Cláudia ressalta que é preciso ir além e ampliar a educação sobre o tema, incluindo instituições de ensino fundamental e médio, para maior conhecimento sobre o assunto.


Outro tópico importante é o monopólio do conhecimento médico sobre a doença, já que ninguém sabe mais da sua doença do que o próprio paciente. “Muitas vezes, ainda temos na formação do profissional de saúde a orientação de que ele é soberano e detentor de todo o conhecimento. E que é apenas ele que determina as condutas a serem seguidas. Precisamos mudar essa cultura de que o conhecimento é algo apenas do profissional de saúde e reforçar a importância de uma escuta ativa e empática, com linguagem adequada”, afirma Cláudia, que acrescenta que somente por meio da colaboração e revisão de processos é que poderemos avançar no tratamento seguro de pacientes.


Paciente como bom informante


Para escutar a voz do paciente, a equipe de saúde precisa estar disponível para ouvir. E o paciente precisa entender que é muito importante falar sobre o que acontece com ele: se tem alguma alergia, intolerância, alguma cirurgia prévia. “O paciente precisa ser um bom informante, porque o médico não tem como saber tudo. Grande parte dos eventos adversos relacionados ao uso de medicação está associada ao desconhecimento da equipe sobre alergias prévias do paciente”, disse a psicóloga Ana Merzel.


Grabois, da Sobrasp, ressalta que essa comunicação entre profissional da saúde e paciente é um desafio enorme para as instituições porque envolve a educação do paciente não somente em relação àquela doença que ele tem, mas sobre o processo em geral. “A equipe precisa ter a consciência de que existe paciente analfabeto e paciente com pós-doutorado. Então, a forma de se comunicar é diferente, e o paciente precisa ser informado adequadamente dentro das suas necessidades.”


Tatiane Batista Nascimento Chaves de Faria, chefe do setor de Gestão da Qualidade do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG), concorda e ressalta que é preciso identificar as necessidades de educação em saúde e a capacidade de cada paciente e familiar de aprender e assim ser capaz de tomar decisões e participar de forma ativa da sua assistência.


“Os profissionais de saúde devem incentivar pacientes e familiares a participarem do seu cuidado, falando e fazendo perguntas. Cada paciente é único, com suas capacidades, seus valores e crenças. Cabe às instituições de saúde estabelecer com eles uma comunicação aberta e de confiança para compreender, proteger e favorecer tais aspectos, melhorando assim os resultados do cuidado”, disse Faria, do HC/UFMG, que integra a Rede Ebserh, que administra 41 hospitais universitários vinculados a universidades federais com atendimento exclusivamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde).


Segundo Cláudia Laselva, para que o paciente seja engajado e um bom informante, as instituições de saúde precisam criar mecanismos e protocolos para que isso aconteça de forma ativa e monitorada. “A educação do paciente é um dos tópicos a serem considerados, e existem diversas iniciativas possíveis, sendo as mais relevantes participativas e compartilhadas. As ações precisam ser de parceria do profissional de saúde e do paciente, com as expectativas de resultados revistos e seu tratamento compartilhado.”


Um dos exemplos da participação ativa do paciente, que foi estabelecida como protocolo no Einstein, foi a criação do código Help, que surgiu após discussões conjuntas com os conselhos de segurança dos pacientes, que mostraram que algumas vezes eles não se sentiam completamente ouvidos pelas equipes durante o seu cuidado.


“A gente sabe que um profissional que está vivendo uma situação de estresse por muitas horas seguidas muitas vezes fica focado demais naquele paciente e pode achar que determinada conduta é a melhor. O código Help é uma forma de dar voz ao paciente, que poderá acionar um profissional que está totalmente fora do seu caso para ouvi-lo na íntegra e repensar toda a situação”, explicou Laselva, ao ressaltar que, antes de acessar qualquer outro membro da equipe, esse profissional do código Help deve ouvir o paciente para não ter nenhum pré-julgamento. “Depois de ouvir o paciente, ele pondera com as informações do prontuário e, se julgar necessário, poderá conversar com a equipe e sugerir alguma alteração de conduta.”


Estatuto dos Direitos do Paciente


Grabois ressalta também que, se as instituições de saúde querem um paciente engajado no próprio cuidado, é preciso falar para ele quais são os seus direitos. “Para tornar o paciente um sujeito ativo, não adianta ter só boa intenção. O paciente ainda é deixado muito de lado, como se ele fosse um objeto do cuidado, quando na verdade ele deveria ser o sujeito”, ressaltou.


Segundo Grabois, um projeto de lei em andamento no Congresso Nacional estabelece o Estatuto dos Direitos do Paciente e lista os principais itens a ser considerados:


• direito a ser transferido para outra unidade em condições adequadas;

• direito de saber tudo o que é feito com ele e que isso seja registrado no seu prontuário de forma clara e objetiva;

• direito a ter suas perguntas respondidas sobre o seu diagnóstico e sobre o prognóstico, como a doença pode evoluir, como é o tratamento;

• direito a receber informações sobre as medicações que está recebendo e qual a forma de aplicação de cada uma delas;

• direito de ser consultado e informado antes de ser submetido a qualquer tipo de procedimento ou cirurgia;

• direito de ser tratado como ser humano e sem nenhum tipo de discriminação, seja ela racial, religiosa, sexual ou qualquer outra.


“Embora muitas instituições de saúde já respeitem e garantam esses direitos para os seus pacientes, muitas ainda não o fazem. E, se isso não estiver escrito na lei, fazem menos ainda. Do ponto de vista ético, de equidade, de segurança e do atendimento centrado no paciente, esses são direitos a serem observados que não estão ainda consagrados em lei”, afirmou.


Principais desafios dos sistemas de saúde


No Brasil, o Ministério da Saúde instituiu o Programa Nacional de Segurança do Paciente em 2013 e aprovou protocolos básicos de segurança que incluem os seguintes itens: identificação do paciente, cirurgia segura, prevenção de úlcera por pressão, higiene das mãos em serviços de saúde, prevenção de quedas e segurança na prescrição, uso e administração de medicamentos.


Existem muitos protocolos, mas grande parte das instituições ou não os adota ou os adota parcialmente. “Ainda existem muitos casos de instituições que não põem os protocolos em prática, não medem os seus indicadores, não acompanham a adesão dos profissionais aos protocolos, não têm infraestrutura adequada para fornecer o cuidado seguro, têm menos profissionais do que deveriam ter, entre inúmeros outros problemas”, enumera Grabois.


Cláudia Laselva diz que a falta de recursos como tempo, orçamento, materiais, equipe pode impactar na segurança do paciente, mas reforça que, além de estruturas e processos, é preciso trabalhar na atitude e na educação dos profissionais, seja no serviço público, seja no privado, para que eles não se ponham na posição de soberanos, mas de ouvintes dos pacientes.



“Esse é o ponto principal”, diz a diretora, ressaltando que cada instituição deve criar os seus protocolos dentro da sua realidade. “É preciso desmistificar a ideia de que não dá para ter segurança no hospital público. É claro que dá. Eu só tenho que adaptar os meus processos e protocolos à realidade local. O foco é engajar o paciente e colocá-lo no centro da assistência”, finalizou.

FONTE : R7.com

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