A proposta de Reforma Tributária que tramita no Congresso cita quatro vezes a expressão “meio ambiente“, colocado como princípio para concessão de incentivos e elaboração de políticas tributárias, mas sem que haja uma obrigação de que tal orientação seja observada.
Por outro lado, produtos que podem ser considerados prejudiciais ao ambiente, como agrotóxicos, estão entre aqueles que podem ter uma tributação reduzida em pelo menos 60%.
Por causa de uma mudança de última hora feita na proposta no dia da votação na Câmara, esses insumos também devem ficar protegidos do Imposto Seletivo, que tem como objetivo justamente tributar a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao ambiente.
O mesmo pode acontecer com alimentos ultraprocessados.
No estudo em que calculou qual seria a alíquota dos novos tributos sobre o consumo criados pela reforma, o Ministério da Fazenda considerou um Imposto Seletivo que incida somente sobre fumo e bebidas alcoólicas. O cálculo mais conservador sobre essa arrecadação teve como justificativa as incertezas sobre qual será o alcance desse novo tributo.
Uma vez aprovadas as mudanças na Constituição em discussão neste momento, caberá ao governo propor ao Congresso uma lista com produtos duplamente beneficiados. Entre eles, itens enquadrados como “insumos agropecuários e aquícolas e alimentos destinados ao consumo humano”.
Pesquisa Datafolha encomendada pela ACT Promoção da Saúde mostrou que 94% dos brasileiros apoiam o aumento de impostos para produtos nocivos à saúde e ao ambiente. O apoio é de 64% quando se trata de agrotóxicos e 36% em relação a combustíveis fósseis.
“É difícil pensar em um Imposto Seletivo sobre produtos com externalidades negativas para o ambiente e para a saúde sem ter, no âmbito desse novo imposto, os agrotóxicos. Isso está claramente fora dessa redação que foi deixada já na Constituição”, afirma Jefferson Nascimento, coordenador de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil.
Folha Mercado
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Nascimento diz discordar da justificativa de que é necessário isentar todos os insumos agrícolas para garantir alimentos desonerados e defende um debate sobre cada um desses produtos dentro da ideia de uma reforma tributária verde.
“Não se esperou nem para ter esse debate no âmbito da lei complementar. Já colocaram lá na Constituição e fecharam as portas para essa discussão.”
Virgínia Pillekamp, sócia da área de Tributos da EY, afirma que os dispositivos da reforma que tratam do Imposto Seletivo geram dúvidas de interpretação e conflitos que podem resultar em contestações mais à frente.
“Se defensivos agropecuários forem excepcionados [do benefícios fiscal], a gente vai ver essa discussão lá no futuro, se a lei complementar teria competência para fazer esse tipo de exclusão”, afirma Pillekamp.
A tributarista afirma que a PEC prevê que o seletivo poderá incidir sobre derivados de petróleo, combustíveis e minerais, mas também sobre energia elétrica, sem prever exceção para fontes renováveis, e serviços de telecomunicações, que não se enquadram no conceito de prejudiciais à saúde e ao ambiente.
O que a PEC diz sobre alimentos e defensivos agrícolas
“§ 1º Lei complementar definirá as operações com bens ou serviços sobre as quais as alíquotas dos tributos de que trata o caput serão reduzidas em 60%, referentes a:
(…) VII – insumos agropecuários e aquícolas, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal.”
“O imposto [seletivo] (…) não incidirá sobre os bens ou serviços cujas alíquotas sejam reduzidas nos termos do § 1º”.
Renata Elaine Ricetti, coordenadora de pós-graduação da Escola Paulista de Direito, diz que a redação da reforma nesse ponto (artigo 9º) se tornou confusa.
“Colocaram a hipótese de o Imposto Seletivo tributar esses consumos nocivos à saúde, mas também colocaram que não pode tributar alimentos destinados ao consumo humano. Então como que a gente vai tributar bebidas açucaradas e alimentos processados? Está tudo bem confuso”, afirma.
Ralph Melles Sticca, coordenador do curso de direito da Harven Agribusiness School e especialista em direito tributário, afirma que é necessário afastar a tributação do seletivo sobre os bens e serviços que terão alíquotas reduzidas dos demais tributos, para que essa desoneração seja efetiva.
Ele diz não ver problemas na redação do artigo e avalia que alguns alimentos poderiam ter alíquota sem redução e ainda uma tributação adicional. “Se você decidir que alguns alimentos não terão redução de alíquota, outros, como ultraprocessados e refrigerantes, poderiam ficar sujeitos à aplicação do Imposto Seletivo.”
Ambiente
Em relação à proteção ao ambiente como princípios do sistema tributário e da concessão dos incentivos regionais, a Oxfam Brasil avalia a indicação como positiva, mas diz que é necessário tratar da questão de forma mais detalhada na regulamentação da reforma.
Esses pontos foram incluídos no texto por sugestão da deputada Tabata Amaral (PSB-SP), que fez parte do grupo de trabalho que analisou a reforma na Câmara.
A Oxfam Brasil e mais de 70 organizações da sociedade civil divulgaram em março o Manifesto pela Reforma Tributária 3S: Saudável, Solidária e Sustentável. Na avaliação da entidade, o texto atual da proposta não atende totalmente a esses critérios.
O que a Reforma Tributária diz sobre ambiente
- “Sempre que possível, a concessão dos incentivos regionais (…) considerará critérios de preservação do meio ambiente“
- “O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária e do equilíbrio e da defesa do meio ambiente“
- “Na aplicação dos recursos de que trata o caput [Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional], os estados e o Distrito Federal priorizarão projetos que prevejam ações de preservação do meio ambiente“
- “Compete à União instituir impostos sobre: (…) produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos da lei”
noticia por : UOL