O oitavo pecado capital é a criação divina na música de Urias, que se apresenta no The Town neste sábado.
Se em seu primeiro single, “Diaba”, a cantora se transforma numa entidade do mal que não pede licença para possuí-la e é rechaçada pela sociedade, numa alusão ao fato de ela ser trans, em “Her Mind”, faixa derradeira de seu último álbum, encontra o divino em si.
Nascida em Uberlândia, em Minas Gerais, Urias começou a cantar enquanto trabalhava com Pabllo Vittar, de quem é amiga desde a adolescência e com quem trabalhou como assessora no início da carreira.
O meio artístico, que também a levou a desfilar na São Paulo Fashion Week e na Casa de Criadores, a inspirou a cantar. Primeiro, ela fez covers, que iam do rock brasileiro de O Rappa ao rap americano de Azealia Banks. “A partir daí, botei fé, e acho isso um dos maiores privilégios. Na minha família ninguém trabalha com o que gosta”, diz.
Depois, Urias começou a apostar em uma carreira autoral. Em “Diaba”, ela canta sobre sua identidade de gênero.
Mas em seu segundo álbum, “Her Mind”, lançado este ano, Urias tenta fugir do debate pelo qual sempre é lembrada —seu corpo—, cantando sobre sua vivência a partir do cérebro, diz ela, e não da biologia.
“Sempre tinha que falar no meu corpo e em questões que não são devidamente públicas, mas as pessoas fazem ser”, diz ela. “Todo mundo é complexo. Você, por exemplo, não é só mulher. Você é um bando de outras coisas e é também mulher. Quando alguém te resume só a isso, onde fica o resto que vivi, sou, construí, pensei e fiz?”, ela questiona.
As composições ainda atravessam temas como religiosidade. No principal single do disco, ela entoa, em inglês, que é “uma criação perfeita”, “a mais bela criação de Deus”, feita “à imagem e semelhança dela” —no gênero feminino, questionando o da divindade.
“Eu sou parte desse grande credo. Quis trazer para o religioso das pessoas. Inclusive começar a me naturalizar nesse sentido, porque é uma parte que tem se afastado de mim.”
Mas Urias não se restringe à composição. Ela se atenta à melodia das canções. Em seu último disco, com múltiplas vertentes de eletrônica, como o house e o techno, Urias tem criado uma sonoridade que oxigena o pop brasileiro.
Isso porque, embora se apresente com os artistas do pop bate-cabelo, boa parte deles da comunidade LGBTQIA+, Urias tem se voltado a uma sonoridade mais eletrônica. O primeiro show de sua nova turnê aconteceu na Mamba Negra, tradicional festa do gênero em São Paulo.
O produtor de “Her Mind”, Maffalda, que trabalha com Urias desde os covers, diz que esperava que o álbum fosse “mais pop, mas se desdobrou em algo exótico”. Ele conta que a cantora tem se voltado às novas vertentes do funk.
Um exemplo é “Magnata”, cheia de hedonismo em inglês e espanhol, em que questiona se o ouvinte prefere o céu ou o inferno. “Tenho feito muitas demos de funk, que se aproximam do techno. Tentei ir para este lado”, diz Maffalda.
Number Teddie, um dos compositores de Urias, que também trabalha com nomes como Vittar e é cantor, diz que a decisão que tiveram de compor em inglês, espanhol e francês não tem a ver com estratégias de mercado.
É a maneira de construir metáforas e ser menos explícito, algo em extinção no pop nacional contemporâneo. Em “Neo Thang”, ou “coisa nova”, numa brincadeira em inglês, ela faz referência à vagina, numa ode ao sexo.
O projeto, diz Urias, será coroado em sua apresentação no The Town, na maior vitrine que seu trabalho já teve. “A gente ensaia sete horas por dia, aí depois vou para o estúdio decidir as bases das músicas, de manhã faço academia, porque tenho que estar gostosa”, diz. “Estou vivendo por conta deste festival.”
noticia por : UOL