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Juiz anula confissão obtida sob tortura em Guantánamo e expõe estratégia escusa

No final de 2006, numa tentativa de virar a página sobre o legado de tortura patrocinada pelo Estado, os promotores da administração George W. Bush iniciaram um experimento na Baía de Guantánamo.

Eles montaram equipes de agentes da lei para tentar obter confissões voluntárias de homens que passaram anos em condições brutais em prisões isoladas da CIA, a agência de inteligência dos EUA.

Um juiz militar declarou que o experimento foi um fracasso, pelo menos em um dos casos.

Numa decisão abrangente, o coronel Lanny Acosta Jr. anulou uma confissão que agentes federais em Guantánamo obtiveram em 2007 de um prisioneiro saudita acusado de planejar o atentado suicida ao USS Cole em 12 de outubro de 2000. O ataque, no porto de Aden, no Iêmen, matou 17 marinheiros americanos.

Os agentes disseram em depoimento que foram corteses e amigáveis com Abd al-Rahim al-Nashiri e que deixaram claro para ele que sua participação nos interrogatórios em 2007 era voluntária.

Mas Nashiri, preso em 2002, passou quatro anos em prisões secretas da CIA, onde interrogadores usaram violência, ameaças e punições para fazê-lo falar. O juiz escreveu no último dia 18 que qualquer resistência que o acusado pudesse ter tido ao dizer algo que pudesse incriminá-lo foi intencional e literalmente arrancada dele por meio de espancamento.

Em outras palavras, Acosta concluiu que os interrogatórios da “equipe de limpeza” em Guantánamo, como os agentes eram chamados, não podiam desfazer os danos da tortura da CIA e dos anos de condicionamento para compelir prisioneiros a responder a perguntas sob demanda.

A decisão de 50 páginas é a primeira grande decisão sobre a admissibilidade de interrogatórios por agentes federais que deveriam construir novos casos contra homens que passaram anos em prisões secretas da CIA conhecidas como black sites.

Embora a decisão não estabeleça precedente e os promotores já estejam recorrendo, ela abala a base sobre a qual a acusação construiu seus casos contra homens acusados de planejar ataques da Al-Qaeda.

O impacto da decisão ainda não chegou ao caso mais conhecido do tribunal, que acusa cinco prisioneiros de conspirar para os ataques do 11 de Setembro. Ambos são casos de pena de morte, e os advogados de defesa estão chamando testemunhas para argumentar que as confissões foram contaminadas pela tortura da CIA. Mas outro juiz militar preside esse assunto e não está vinculado à decisão do caso Cole.

Mas Jeffrey Groharing, um veterano promotor em audiências do 11 de Setembro, chamou as confissões dos réus em Guantánamo de “a evidência mais crucial do caso”.

No próximo mês, os promotores planejam convocar para depoimento Frank Pellegrino, um agente aposentado do FBI. Como membro de uma “equipe de limpeza” em 2007, ele ouviu Khalid Sheikh Mohammed, o homem acusado de ser o mentor do 11 de Setembro, descrever seu papel nos atentados.

O governo argumenta que Mohammed incriminou-se voluntariamente em seu quarto mês em Guantánamo, quase quatro anos depois de ter sido detido pelos EUA.

Até então, interrogadores da CIA haviam submetido Mohammed a 183 sessões de afogamento simulado. Ele também havia sido mantido acorrentado, nu, privado de sono e isolado —muitas das mesmas técnicas que foram usadas pela primeira vez em Nashiri. Ambos os homens receberam ameaças de retorno aos “tempos difíceis” se não cooperassem com seus capturadores nos black sites sob o programa de rendição, detenção e interrogatório (RDI).

A decisão de Acosta “reforça que na verdade não é possível limpar os casos contra pessoas que estavam no programa RDI”, diz Stephen Vladeck, professor da Faculdade de Direito da Universidade do Texas. “Não é como se essa decisão resolvesse conclusivamente essa questão para todos os casos. Mas tanto em sua fundamentação quanto em seu simbolismo, acho que vai ser um precedente de fato.”

Muitas das questões são as mesmas. Assim como Nashiri, dois dos homens acusados de conspirar com Mohammed nos ataques do 11 de Setembro foram mantidos incomunicáveis pela CIA em Guantánamo em 2003 e 2004 no mesmo complexo onde agentes federais fizeram os réus confessarem em 2007.

Médicos militares dos EUA deram a Nashiri o diagnóstico de transtorno de estresse pós-traumático —o juiz Acosta observou que, aparentemente, ele nunca recebeu tratamento. No próximo mês, espera-se que o juiz do caso do 11 de Setembro ouça especialistas médicos sobre por que eles recentemente consideraram que um dos acusados de planejar os atentados, Ramzi Binalshibh, não é considerado capaz para ser julgado ou se declarar culpado.

Em sua decisão de suprimir a confissão de Nashiri, o juiz citou o psiquiatra forense Michael Welner, que havia testemunhado como especialista do governo. Welner argumentou que, com base em sua interpretação de documentos e transcrições da prisão, Nashiri escolheu livremente confessar.

Mas o juiz rejeitou esse argumento, ainda citando o testemunho de Welner, no qual ele também havia dito que se alguém tivesse que escolher entre obedecer e “ser submetido a dor ou sofrimento extremo, então isso não é uma escolha real”.

Welner também é um especialista pago pelo governo para avaliar a sanidade de Binalshibh. O caso não acabou. O juiz aprovou outras provas que os promotores desejam usar em seu julgamento a serem entregues por agentes federais, de que pessoas no Iêmen viram Nashiri perto do porto de Aden dois meses antes dos bombardeios ao USS Cole.

Acosta também permitiu que os promotores apresentassem o que Nashiri disse a um painel militar em Guantánamo posteriormente em 2007. Em uma audiência, ele admitiu conhecer Osama bin Laden e ter recebido dinheiro dele para um projeto de negócio de transporte não realizado no Golfo Pérsico, mas negou ser membro da Al-Qaeda e revogou confissões anteriores, que ele disse terem sido feitas para interromper a tortura que sofreu.

Ainda está para ser visto se os promotores, como fizeram no caso do 11 de Setembro, propõem que Nashiri se declare culpado de certos crimes em troca de uma sentença de prisão perpétua, em vez da possibilidade de execução.

Acosta se aposenta do Exército no próximo mês após 25 anos de serviço. Um novo juiz, Tenente-Coronel Terrance Reese, dos Fuzileiros Navais, foi designado para conduzir o caso até o julgamento.

noticia por : UOL

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