VARIEDADES

Seria a democracia uma tirania?

Ben Franklin, pai fundador americano, certa vez definiu democracia como “dois lobos e um cordeiro decidindo o jantar”. Entre os Founding Fathers, Jefferson também versou sobre o tema ao afirmar que “democracia não é nada mais que a ditadura da multidão, onde 51% das pessoas podem retirar os direitos das 49% restantes”. Da perspectiva dos fundadores da América surgiu o chamado Colégio Eleitoral, mecanismo no qual se equaliza a questão do volume de votos x distribuição territorial, ao definir a vitória por unidade federativa independentemente do volume total de votos.

Explico: para evitar a ditadura da maioria, o sistema eleitoral americano define que não importa se a vitória no estado foi acachapante ou apertada, o vencedor leva a totalidade dos delegados eleitorais. Esses variam de estado para estado, de acordo com um cálculo território x população. Em 2016, muitos analistas de meia pataca alegaram injustiça ao analisar que Clinton teve mais votos que Trump no total, o que é verdade, mas conquistou menos delegados no geral, ou seja, perdeu em mais estados.

O colégio eleitoral, portanto, é um mecanismo que impossibilita que pequenas porções territoriais, mas com grandes concentrações populacionais (Califórnia, Washington-NY-Boston, por exemplo), decidam sempre os rumos políticos do país e, assim, impede-se a ditadura da maioria.

O propósito do presente artigo é, findada qualquer aporrinhação do último pleito, propor uma discussão sobre o sistema eleitoral brasileiro. Primeiramente, por ser inauditável por pessoas fora do conluio político-partidário. Em segundo lugar, porque é a máxima expressão do que Ortega y Gasset, filósofo espanhol, cunhou como hiperdemocracia, em seu primoroso livro ‘A Rebelião das Massas’: uma “multidão (que) tornou-se visível, instalou-se nos lugares preferenciais da sociedade. Antes, se existia, passava despercebida, ocupava o fundo do cenário social; agora antecipou-se às baterias, tornou-se o personagem principal. Já não há protagonista: so há coro”.

O problema, para Gasset, era justamente a composição da turba: o homem-massa (em uma analogia grosseira, o Lineu Silva, nosso Homer Simpson) tornou-se protagonista. Para Gasset, trata-se de “um homem feito de pressa, montado simplesmente sobre poucas e pobres abstrações e que, por isso, é idêntico de um extremo ao outro da Europa. A ele se deve o triste aspecto de asfixiante monotonia que a vida vai tomando em todo o continente. Esse homem-massa é o homem previamente esvaziado de sua própria história, sem entranhas de passado e, por isso mesmo, dócil a todas as disciplinas chamadas irracionais”.

Aristóteles, em ‘Ética a Nicômaco’, elencou que um governo ditado por uma maioria que é incapaz de pensar no bem-estar de seus pares seria um governo deturpado, tirânico e ineficaz. Antes mesmo de Cristo, os gregos já apontavam para a necessidade da filosofia (não o canudo, mas a formação filosófica, como sempre apontou o professor Olavo de Carvalho) para a libertação do homem. O Brasil precisa urgentemente retomar o debate sobre a escolha de seus governamentes para que cenários como o do ano passado não mais se repitam.

Marcos Paulo Candeloro é graduado em História (USP), pós-graduado em Ciências Políticas (Columbia University- EUA) e especialista em Gestão Pública Inovativa (UFSCAR). É professor e analista político.

noticia por : Gazeta do Povo

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