O dia 26 de julho de 2022, uma terça-feira, parecia seguir a rotina de sempre para a advogada Rita de Cássia Donley Bairão Simon. No fim da tarde ou início da noite, ela começou a ler notícias em sites variados, como faz com frequência. Até que uma delas chamou sua atenção.
“Era uma reportagem, já não lembro de que jornal, falando sobre a possibilidade de assinar a carta. Tinha um link, eu cliquei e estava funcionando”, relembra a advogada de 72 anos.
Sem que pudesse saber na hora, Rita tornou-se a primeira signatária da “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito” após o documento ser aberto ao público.
Antes disso, os organizadores haviam coletado nomes de peso, sobretudo do meio jurídico, para lançar o texto com algum impacto. Eram 3.069 signatários originários; em menos de 24 horas, a carta pulou para 100 mil nomes e terminou com mais de 1 milhão, a começar pelo de Rita.
“Essa carta veio como se fosse um alento, porque estávamos muito para baixo antes disso”, afirma a advogada. Na época, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) havia acabado de se reunir com embaixadores estrangeiros para repetir mentiras sobre a urna eletrônica e fazer novas ameaças golpistas.
Aquele contexto fez Rita sentir que assinar o manifesto era uma obrigação. “Porque democracia se faz todo dia, não é só na urna. Mas o sistema eleitoral tem que permanecer para que a democracia permaneça”, diz.
Um ano depois, ela ficou surpresa ao saber que foi a primeira signatária e ainda mais por ser convidada a participar neste sábado (12) do tradicional almoço de antigos alunos da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo).
Formada em direito pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Rita se emocionou ao receber uma homenagem das mãos do diretor Celso Campilongo e da vice-diretora Ana Elisa Bechara.
O evento também contemplou a professora Maria Paula Dallari Bucci, que no ano passado participou da leitura da carta no pátio da faculdade.
O advogado Flavio Bierrenbach, ex-ministro do STM (Superior Tribunal Militar), aproveitou a ocasião para reforçar o lobby pelo nome de Maria Paula para o STF (Supremo Tribunal Federal), na vaga que vai se abrir com a aposentadoria da ministra Rosa Weber. A sugestão foi aplaudida pelos cerca de 500 presentes.
Rita diz ter ficado honrada com a homenagem. “Mas nem precisava, não tenho essa vaidade”, diz a advogada, que ajudou a divulgar o documento a todas as pessoas que conhecia.
“A luta pela democracia sempre foi presente na minha casa. Meu pai lutou muito por isso; ele fez parte da turma de 32, foi ao campo de batalha”, afirma Rita, referindo-se à Revolução Constitucionalista de 1932.
Mas não só isso. Em 1977, Rita era uma caloura na PUC quando o coronel Erasmo Dias comandou a invasão da universidade, num gesto de truculência da ditadura militar do qual ela jamais se esqueceu.
“Você não imagina quão horrível foi aquilo. Comigo não aconteceu nada fisicamente, porque eu estava com a perna engessada e fiquei no fundo da classe, mas vi colegas apanhando, sendo presos. O barulho era terrível, tinha cavalos andando nos corredores, uma coisa absurda”, diz.
“Não é possível viver esses períodos todos e ignorar que a democracia é essencial, que a liberdade é tudo”, afirma a advogada, que hoje mora com o marido Paulo em Resende, cidade da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras).
A carta que Rita assinou foi lida na Faculdade de Direito da USP no dia 11 de agosto do ano passado e se tornou uma das respostas mais fortes ao ímpeto golpista de Bolsonaro.
“Independentemente da opção partidária, está melhorando agora. Eu nunca tinha votado no PT. Mas não gosto de ideias radicais. Acho que tem que ter equilíbrio para tudo. Não havia em 1977, como não estava havendo [no governo Bolsonaro]”, diz a advogada.
“Por isso votei no Lula. Foi pela democracia, não pelo partido. Mas tem uma coisa: a fala da Simone Tebet foi muito importante para eu tomar essa decisão”, afirma.
noticia por : UOL