O Brasil possui 66% de seu território destinado à preservação e detém 20% da biodiversidade do planeta. Também tem o maior programa de conservação privada e um código florestal avançado se comparado a legislações semelhantes de nações desenvolvidas. Ou seja: somos uma potência ambiental relevante e fundamental para o futuro do clima, dos alimentos e da energia na Terra. Então por que continuamos sendo vistos, inclusive internamente, como campeões em desmatamentos e um dos grandes vilões ecológicos mundiais?
Essa é uma das perguntas que o filme ‘Brasil Novo: Conflitos do Desenvolvimento’ tenta responder. Concebido pelo paulista Caio Vecchio, diretor de cinema e produtor rural, o documentário estreou em alguns poucos cinemas no segundo semestre de 2022, mas vem sendo exibido em canais da tevê por assinatura e já está disponível gratuitamente no YouTube.
Iniciado antes da pandemia, ‘Brasil Novo’ surgiu da inquietação de Vecchio diante de um estudo sobre a “ansiedade climática” da juventude. Segundo a pesquisa, realizada em dez países, quase metade dos brasileiros entre 16 e 25 anos revelou não querer ter filhos ou formar família por conta das incertezas quanto às mudanças no meio ambiente. A partir daí, o cineasta procurou cientistas, ativistas, políticos, intelectuais, empreendedores e líderes indígenas para saber se o Brasil está realmente condenado a perder suas áreas conservadas – e quais são os caminhos para interromper essa suposta onda de destruição.
A boa notícia, de acordo com o filme, é que nem tudo está perdido. Pelo contrário. Os desafios brasileiros são imensos, mas o país está numa posição privilegiada no que diz respeito ao seu “valor ambiental real”. E mais: nosso conhecimento da biodiversidade nacional, especialmente da Floresta Amazônica, só tende a crescer com as novas tecnologias.
Além de contar com entrevistados de diferentes áreas e campos ideológicos, ‘Brasil Novo’ (patrocinado pela Rabobank, multinacional holandesa voltada para o financiamento do setor agrícola e da sustentabilidade orientada), tem como trunfo apresentar uma série de dados científicos consolidados. O biólogo norte-americano Daniel Nepstad, diretor do instituto de pesquisas Inovação da Terra, por exemplo, chama a atenção para o fato de que 81% da Amazônia segue de pé – índice fornecido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Já o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas (projeto voltado para o monitoramento, via satélite, da ocupação e uso de terras), afirma que dois terços do território nacional são cobertos por vegetação nativa. Segundo ele, a maioria dos brasileiros tem uma percepção errada dessa proporção por viver em regiões urbanizadas. “Seguramente, se você conversar sobre isso com pessoas que moram na Amazônia, vai ouvir uma opinião bem diferente”, garante.
“Qualquer outro país que reclame da conservação do Brasil teria de fazer muito melhor”, avalia Evaristo de Miranda, engenheiro agrícola da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), apontando num mapa-múndi regiões desérticas dos Estados Unidos, China e Austrália. Miranda ainda destaca o trabalho realizado pelos agricultores brasileiros, responsáveis por cerca um terço das áreas preservadas.
Conhecido por sua postura nacionalista, o político Aldo Rebelo (ex-presidente da Câmara dos Deputados, ex-ministro de três pastas em governos petistas, ex-integrante do PCdoB e atualmente filiado ao PDT) também aparece no filme, falando sobre a atuação controversa das organizações não governamentais. O comunista separa o joio do trigo: “Há ONGs que têm corpo técnico, prestam serviços, desenvolvem projetos. Outras são só militância, panfletagem e agitação. Servem apenas como uma profissão para quem participa delas”, diz.
O índio Kanawayuri Marcello Kamaiura, liderança de uma aldeia do Parque do Xingu, no Mato Grosso, vai pelo mesmo caminho e denuncia o caráter oportunista dos ativistas. “Estamos sendo usados para divulgar que os indígenas preservam o meio ambiente, mas eles se esquecem de cuidar da nossa saúde, da nossa cultura. Dizem que estamos mantendo a floresta em pé, só que não aplicam recursos diretamente para que a gente continue fazendo isso”, reclama.
O protecionismo comercial de países estrangeiros é outro assunto abordado no documentário. “No momento em que você vira uma ameaça comercial, todo mundo fica querendo que você erre. Eles se aproveitam de alguns dos nossos erros, em termos de perda de biodiversidade, para ‘queimar’ a nossa produção no mercado internacional”, aponta Eduardo Assad, outro engenheiro agrícola da Embrapa ouvido por Vecchio.
‘Brasil Novo: Conflitos do Desenvolvimento’ ainda trata de temas como o desmatamento ilegal, o turismo em áreas conservadas, a desigualdade social de um país que possui tantas riquezas naturais e o futuro do mercado de créditos de carbono – um dos principais pontos discutidos na Cúpula da Amazônia, encerrada nesta quarta-feira (9) em Belém.
“Cineasta do agro” atua como articulador do setor rural
Formado em Comunicação Social, com ênfase em Cinema, Caio Vecchio seguiu uma carreira regular no cenário do audiovisual paulista até 2011, quando seu avô materno, o empresário e produtor rural Pelerson Penido, morreu. Com outros membros da família, ele assumiu os negócios herdados e hoje também atua como articulador do “agro”, presidindo o Instituto Mato-Grossense da Carne.
Mas Vecchio, que no mundo da agroindústria usa o sobrenome Penido, nunca fechou sua produtora de filmes, a Encruzilhada. E viu em ‘Brasil Novo: Conflitos do Desenvolvimento’ uma oportunidade de aproximar seus polos profissionais. “Acho que sofro mais preconceito por parte da bolha do meio artístico, que está de costas para o resto do país. Já as pessoas do agronegócio me acham mais interessante. Eles sabem que a comunicação com o grande público é um dos desafios do setor e me veem como um coringa”, explica.
Segundo ele, que se considera de centro-direita, o documentário busca pensar o Brasil para além das polarizações políticas e mostrar os exemplos positivos do país. “Quem tem problemas ambientais é a China, a Europa, são os EUA. Não queremos o dinheiro deles para conservar nossa biodiversidade. Queremos comércio justo e que paguem melhor pelos nossos produtos”, defende.
Questionado se a indústria do agronegócio tem alguma obrigação social, Vecchio/Penido acredita que os empresários do setor podem pressionar o governo no tocante a determinadas pautas e ocupar algumas de suas lacunas caso percebam que isso pode trazer melhorias para seu entorno. “Penso que podemos ajudar as partes da cadeia que são mais vulneráveis, como os pequenos agricultores e os indígenas, mesmo que isso seja uma responsabilidade do Estado. O Brasil e o nosso mercado são muito amplos, tudo pode se complementar”, conclui.
noticia por : Gazeta do Povo