A Corregedoria-Geral da Justiça do Ceará investigará a conduta do juiz Francisco José Mazza Siqueira, que, diante de vítimas que processam um médico por violência sexual, disse que mulheres são “bicho da língua grande” e que “chutam as partes baixas”. O advogado das vítimas aponta naturalização da violência de gênero.
A declaração do magistrado, que é titular da 2ª Vara Cível da Comarca de Juazeiro do Norte, foi feita durante uma audiência em 26 de julho e veio à tona na última sexta-feira (4) com a divulgação na imprensa de um áudio da sessão.
Depois de ouvir de uma vítima que ela teria sido tocada sem consentimento nas partes íntimas pelo réu, o juiz disse que era assediado por alunas quando era professor e diz que “quem acha que mulher é boazinha, estão tudo enganado”.
Na sequência, diz que mulher é “bicho de mão pesada, bicho da língua grande e que chuta as partes baixas”. A reportagem procurou o magistrado por meio do Tribunal de Justiça do Ceará, que apenas citou a sindicância da Corregedoria, órgão ao qual também caberá “avaliação de aplicação de outras medidas cabíveis”.
Conforme o advogado das vítimas, Aécio Mota, trata-se de um “clara e inaceitável naturalização da violência de gênero”. Ele prometeu acionar a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
“É quase como se a vítima passasse a ocupar o banco dos réus. Uma total inadequação ao papel de imparcialidade que ele deveria ter”, diz Mota.
A OAB do Ceará se manifestou sobre o caso por meio de uma nota assinada por Christiane Leitão, vice-presidente e presidente da Comissão da Mulher Advogada da instituição. Ela fala em possível “violência institucional” e declara que caberia ao juiz “zelar pela integridade física e psicológica da vítima, sobretudo em se tratando de crimes contra a dignidade sexual”.
Na segunda-feira (7), a Corregedoria publicou no Diário da Justiça a instauração de uma sindicância para apurar o caso. Na portaria, que cita o magistrado somente pelas iniciais, a desembargadora Maria Edna Martins menciona que será averiguada eventual violação pelo magistrado da chamada Lei Mariana Ferrer, sancionada em novembro de 2021.
A lei foi criada após vir a público um vídeo da audiência que inocentou o empresário André de Camargo Aranha da acusação de estupro da influenciadora digital catarinense Mariana Ferrer. Na ocasião, o advogado de Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho, exibiu cópias de fotos produzidas pela jovem quando era modelo para reforçar o argumento de que a relação foi consensual e descredibilizar Mariana, o que gerou revolta.
Apelidada de Lei Mariana Ferrer, a legislação modificou o artigo 400 do Código de Processo Penal, determinando que “na audiência de instrução e julgamento, e, em especial, nas que apurem crimes contra a dignidade sexual, todas as partes […] deverão zelar pela integridade física e psicológica da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz garantir o cumprimento”.
A lei proíbe ainda “a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos” e “a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.”
noticia por : UOL